Ad Nauseam
Sangue do artista sobre bandeira de algodão cru. 130 x 90 cm. 2017.
AS BANDEIRAS DA REVOLUÇÃO – PERNAMBUCO 1817/2017
A Revolução Pernambucana de 1817 foi, apesar de sua duração efêmera – pouco menos de três meses –, a primeira tentativa vitoriosa de instalar uma república no Brasil. No seu ideário, incluía-se não somente a luta pela emancipação do Império Português, mas também a promoção da igualdade de direitos entre os habitantes do país. Coube nela ainda, mesmo que timidamente, a defesa da abolição da escravatura e a consequente inclusão, no universo dos contados como homens e mulheres livres, de significativa parcela da população negra do Brasil. Que tenha sido brutal e rapidamente reprimida fala muito da capacidade de reação das forças regressivas que então defendiam a preservação de privilégios tantos.
Como forma de identificar e divulgar o movimento, foi criada uma bandeira que simbolicamente comunicava, em suas cores e signos, alguns dos ideais que mobilizavam os revolucionários. Bandeira que, um século depois do levante, foi adotada, com poucas alterações, como o estandarte do Estado de Pernambuco. Tomando como ponto de partida documentos de época que narram a história e os significados dessa bandeira, esta exposição argumenta pela atualidade das “bandeiras” mais amplas da Revolução de 1817 e por sua atualização em outras demandas, mais específicas e atuais. Busca resgatar o símbolo revolucionário, portanto, para o campo daqueles que lutam contra as persistentes desigualdades e violências em Pernambuco e no Brasil, retirando-o do círculo de efemérides oficiais que violam ou recalcam os valores últimos que representa.
A exposição está organizada em três núcleos distintos, embora entrelaçados. O primeiro deles reúne conjunto de documentos – o mais antigo de 1817 e o mais recente de 2017 – e textos que, partindo da descrição da bandeira revolucionária de 1817, evocam o conteúdo emancipador e republicano do movimento e as irresolutas tensões ali contidas. Reunidos, esses documentos e textos constituem uma espécie de cronologia do movimento para além dele próprio e do lugar que a bandeira da revolução ocupa nessa narrativa.
O segundo núcleo da mostra é composto por trabalhos de artistas visuais que se valem do suporte ou da ideia de bandeira para refletir como, passados dois séculos da Revolução de 1817, os preceitos republicanos por ela representados – inscritos na simbologia de seu estandarte – ainda estão por ser consolidados em Pernambuco e no Brasil. Trabalhos que exibem, de maneiras diversas, o fracasso de instituir, no país, “bandeiras” que já animavam os revolucionários do passado.
O terceiro e último núcleo da exposição é formado por bandeiras que, criadas por movimentos sociais de origem variada, atualizam ou expandem demandas de igualdade presentes, de modo menos ou mais claro, na Revolução de 1817, demonstrando não somente a atualidade daquele levante, mas sua proximidade informal a movimentos contemporâneos que contestam o estado de coisas em Pernambuco e no Brasil de agora. Proximidade que se dá por afinidades com valores republicanos que nunca foram plenamente implementados no país ou, sobretudo, por identificação com a ideia de insurreição frente a forças que oprimem e segregam.
Articulando física e conceitualmente os três núcleos, páginas retiradas do livro Antologia Fantástica da República Brasileira – disponível para consulta na exposição junto a outros textos que tratam do movimento revolucionário pernambucano –, anunciam, pontuam e sugerem ideias e situações que atravessam qualquer vontade de mudança radical, na qual embates são não somente inevitáveis como também necessários. A bandeira da Revolução de 1817 é uma bandeira de luta, não uma bandeira da paz.
Moacir dos Anjos e José Luiz Passos