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Instituto Tomie Ohtake, Demonstração por Absurdo - Festival Arte Atual ,2018

Por que os joelhos dobram e Compensação por excesso

Because the knees bend and Compensation for excess.

Instalação com 33 cassetetes gravados com marcas humanas, mesas de ferro, vídeo e áudio.

Installation with 33 bronze police batons engraved with human marks, suspended steel tables, video and audio. During the video the artist hits the white walls of the gallery until his hand can’t take it anymore. The sound of the strikes resembles gunshots. The batons engraved with human marks remind us of the body's ability to resist all kinds of pressure in society. As a metaphor, in this work the body is more resistant than the objects of domination.

Demonstração por Absurdo - Festival Arte Atual - Instituto Tomie Ohtake, 2018

Curadoria de Carolina de Angelis, Luise Malmaceda, Paulo Miyada, Priscyla Gomes e Theo Monteiro​

Primeira consideração: pode ser libertador perceber que muitas das promessas utilizadas para incentivar que nos esforcemos mais são, na verdade, falácias, uma vez que a realização e o sucesso (do modo como são reconhecidos em nossa sociedade) raramente estão nas mãos dos que trabalham com maior resiliência.

Segunda consideração: o filósofo e romancista Albert Camus (1913-1960) afirmava que os mitos são feitos para que a imaginação os anime. No panteão grego, Sísifo teve como condenação de sua imprudência e arrogância a árdua tarefa de rolar montanha acima uma pedra que, ao aproximar-se do cume, caia de volta a seu ponto de origem. O trabalho fatigante demonstrava o absurdo de um enorme dispêndio de energia que resultava em nada, ou quase nada.

Terceira consideração: o trabalho artístico possui uma dimensão expressiva, voltada à alguma alteridade. Uma maneira de concebê-lo é pensar que a arte é uma sequência de presentes não solicitados que os artistas entregam ao mundo. Ainda assim, muitas vezes as obras nunca saem do ateliê do artista, ou nunca chegam a seus possíveis destinatários.

Esta edição do Arte Atual Festival relembra o exemplo de Sísifo: a repetição do gesto sem um fim determinado, que atribui ao condenado a insensatez de ser levado à exaustão eternamente. Essa repetição absurda e o labor incansável que quase sempre recai no mesmo lugar, torna-se uma metáfora de nossos desejos, por vezes sísificos diante de seus destinos.

Para Camus, se o mito parece trágico é porque seus atores se fazem conscientes. É na consciência da artificialidade dos propósitos e justificativas do trabalho que a insistência no gesto pode tornar-se, por um lado, trágica, ou, por outro, liberada para definir seus próprios critérios de sucesso.

A ambiguidade dessa consciência pode ser lida em exemplos mais terrenos, como se diante das mais absolutas armadilhas fosse possível o nascimento dos pensamentos mais livres. Segundo Camus, é o começo irrisório de uma cadeia de gestos cotidianos que tem a capacidade de romper com a mecanicidade da vida. Seria a consciência dos mais variados despropósitos que nos tornaria libertos. É do irrisório e do banal que proveria aquilo que denomina uma das vocações do trabalho artístico: o de aplicar-se concomitantemente em não ser nada e em ser muito.

As práticas artísticas reunidas na exposição demonstram, em muitos casos por contradição e absurdo, que destituir a arte de uma finalidade é um dos meios de conferir potencialidade aos seus processos.

Para a matemática, demote Atualnstração por absurdo é uma prova de que algo é falso pela comprovação de que seu inverso é verdadeiro. Trata-se de um método considerado bruto, deselegante, por chegar a seu objetivo por vias não construtivas. Na arte brasileira, que presa tanto por sua clareza formal e pela chamada “vontade construtiva”, é raro que nos debrucemos para apostas como as trazidas por esses artistas. São atitudes que se movem pelo desejo de fazer, investigar, questionar e que podem, por vezes, serem lidas como uma teimosia algo arbitrária e ilógica. Porém, é no desvelar de seus processos, que suas dispendiosas apostas revelam-se tão potentes ao choque com a hostilidade do contexto presente.

Revista Select - Caderno de notas: Paul Setúbal

Artista goiano, presente no Arte Atual Festival, fala sobre corpo, violência e absurdo

Priscyla Gomes

O corpo é uma dimensão constantemente explorada na produção de Paul Setúbal, seja como modo de vivenciar e testar seus limites físicos, seja como uma forma de traduzir situações de poder. O conjunto de trabalhos aqui apresentado aborda a dimensão da violência policial e seus instrumentos de coerção, fazendo do corpo do artista molde e veículo de uma atuação abusiva.

O artista realiza uma performance vestido como vigilante, e caminha ciclicamente dentro de uma sala branca e vazia. Como um vigilante do nada, sua ação nos faz questionar a racionalidade de seus intentos. O ritmo de seus passos é quebrado pelo golpear de cassetetes nas paredes; assim, o espaço expositivo desocupado é, agora, tomado pela repetição e pelos ecos de suas pancadas. Esse embate com um inimigo que não se enxerga encontra logo à sua frente uma série de 30 cassetetes moldados em bronze fundido e cera negra. Todos esses instrumentos trazem as dimensões de objetos originais usados em ações táticas, com variações. O artista imprime, em cada uma das peças, marcas de partes de seu corpo revelando vestígios corporais do agressor. A solidez das peças é desfeita assim pelo caráter de denúncia, trazendo a serialidade e a multiplicidade desses desmandos expostos pela crueza de seu arranjo sobre as duas chapas de metal.

Qual a sua formação, e por onde tem se direcionado o seu trabalho?

Acabei de concluir o doutorado em Arte e Cultura Visual e sou licenciado em Artes Visuais pela UFG. Vivo em trânsito por São Paulo, Brasília e Goiânia. Essa situação de constante movimentação tem influenciado meu trabalho, que vai fazendo um compilado dessas diferentes situações geográficas que vou vivendo, de um Brasil ainda rural, sua capital e sua grande metrópole. É assim que existe uma faceta de situações políticas e sociais em minha pesquisa: vou vivendo e sendo impactado por esses diferentes processos e a pesquisa é uma reverberação de como o corpo se porta ou lida diante das adversidades do cotidiano, suas relações de força e poder. Cresci em uma situação fronteiriça entre capital e interior, regiões tomadas pela violência, e que lidam constantemente sob a pressão de progresso, que produzem uma enorme discrepância de renda, autoritarismos, que são alguns fatores da atual crise em que vivemos. Venho de uma formação do trabalho braçal, periférico, de um corpo masculino que foi formado para lidar com situações de esforço e limite. A pesquisa está sempre atenta a tais questões, e de certa forma, convoca a experiência encarnada em meu corpo para a produção dos trabalhos.

Como se deu a proposta para o Festival Arte Atual? Conte um pouco do processo de elaboração e montagem.

Como o corpo é quase sempre convocado em minha pesquisa, vou descobrindo suas mecânicas e também seu uso. No vídeo, “Por que os joelhos dobram”, exibido na exposição, tive a intuição que em meu corpo estava encarnado uma técnica de violência, do manuseio do cassetete, sem que eu lidasse cotidianamente com aquele instrumento. Isso é devido a minha formação, um corpo que já sentiu a força daquele instrumento e cresceu sendo formado por instrumentos e aparados de contenção, quanto rodeado por imagens das mídias que expõe os abusos e agressões ocasionados pela utilização daquele instrumento. Acredito que, ao ver o vídeo e ao escutar o som das pancadas ecoarem pelo espaço, o outro reconheça em seu corpo a potência daquele gesto. Um dos rumos que meu trabalho tem tomado é cada vez mais descarnar a mecânica do gesto. Ora nas ações, ora nas pinturas e objetos. Em “Compensação por Excesso” há uma tentativa de gravar a mecânica do gesto e impacto do instrumento, gerando um possível documento. É assim que os cassetetes gravados com marcas humanas buscam recompor uma mecânica da violência. Dispostos em mesas de ferro cuja dimensão é aproximada de uma mesa hospitalar, as peças podem ser examinadas pelo visitante.

A proposta para o Festival Arte Atual operou na possibilidade de ampliar tanto o absurdo que envolve o vídeo e as esculturas, quanto à serialidade das peças ou das pancadas na parede.

Pensando no tema da exposição, nas noções de absurdo, acúmulo e serialidade, como você vê essa discussão refletida no seu trabalho?

Acredito que, é da natureza desses trabalhos evocarem essas questões: há um excesso, um acúmulo e uma serialidade de situações violentas que nos rondam cotidianamente e de situações absurdas como regra. Muitas vezes o trabalho opera nestas frequências, quase como uma resposta a uma situação marcada em meu corpo. É assim que apresentar uma série de absurdos escultóricos foi uma possibilidade expográfica dos trabalhos. E para as esculturas, foi preciso evocar um processo de exibição tão duro e absurdo quanto os objetos, deixando em suspensão duas chapas de ferro, com suas marcas em estado bruto, rigidez e peso em estado flutuante.

Disponível em: ​https://www.select.art.br/caderno-de-notas-paul-setubal/

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