top of page

Central Galeria, São Paulo, 01/10/2022 - 12/11/2022

Opositores - Smék Setúbal

Opositores - Solo show by Smék Setúbal

Texto de [text by] Benjamin Seroussi

Opositores, 2022. Vista da exposição [exhibition view]. foto [photo]: Ana Pigosso

opositores_dora smék e paul setúbal_central galeria 2022_foto ana pigosso_04b.jpg

Opositores, 2022. Vista da exposição [exhibition view]. foto [photo]: Ana Pigosso

opositores_dora smék e paul setúbal_central galeria 2022_foto ana pigosso_06b.jpg

Opositores, 2022. Vista da exposição [exhibition view]. foto [photo]: Ana Pigosso

opositores_dora smék e paul setúbal_central galeria 2022_foto ana pigosso_10a.jpg

Opositores, 2022. Vista da exposição [exhibition view]. foto [photo]: Ana Pigosso

opositores_dora smék e paul setúbal_central galeria 2022_foto ana pigosso_20.jpg

Opositores, 2022. Vista da exposição [exhibition view]. foto [photo]: Ana Pigosso

opositores_dora smék e paul setúbal_central galeria 2022_foto ana pigosso_23.jpg

Opositores, 2022. Vista da exposição [exhibition view]. foto [photo]: Ana Pigosso

Benjamin Seroussi - Central Galeria, São Paulo, 2022

Teoria dos jogos

O polegar

Na terra do joinha, luta de dedão não é pouca coisa: eis um jogo que consiste em deitar forçadamente o polegar alheio. Nos últimos anos, a entrada do indicador na jogada ampliou o debate – ora na horizontal, deixando então o dedão perpendicularmente apontando para cima, simulando algo que se parece com uma arma; ora na vertical, deixando o dedão na horizontal, e formando o que em libras representa a letra L. Em breve essas combinações entre dedão e indicador darão lugar ao tradicional uso do indicador e do dedo médio para sinalizar o “v” da vitória.

Para que o dedão não volte para o esquecimento, estamos aqui, neste mês marcado por muitas eleições (para presidente, governadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores) para propor algumas reflexões paralelas à obra “Opositores” de Dora Smék e Paul Setúbal. Não estamos apenas entre turnos. Estamos também no interstício deixado na agenda da galeria entre a desmontagem de uma exposição e a montagem de outra: é este espaço de suspensão de poucos dias que Dora e Paul resolveram ocupar, assim como há que se ocupar todos os lugares de poder.

Pois bem. Precisamos falar do dedão, ou melhor, da luta de dedão – também chamada de guerra dos polegares. Com misteriosa origem (teria uma raiz no Japão), regras simples e popularidade global, o esporte ganhou recentemente até uma federação (WTWC), um guia escrito por um ex-campeão e um racha – a batalha de dedão... do pé! Sem entrar no fato de que a recente estruturação da luta de dedão parece se desenvolver, em primeiro lugar, em bares regados a cerveja no interior do Reino Unido, vale dizer que a batalha de dedão do pé nunca irá destituir a tradicional luta de dedão por uma simples razão: o aperto de mão.

 

A mão

A beleza da luta de dedão reside nisso: não se joga com alguém cuja mão não se pode apertar. Para além da adiposidade da pele alheia, é necessário reconhecer que o adversário não é seu inimigo, e, sim, apenas seu oponente, para poder se entregar na partida. “Adversário”, então, pois a palavra “opositores”, que dá nome ao trabalho de Dora e Paul, refere-se menos aos competidores do que ao dedão em si, que, como todos os que foram alfabetizados vendo Ilha das flores do Jorge Furtado já sabem, extrai seu poder do fato de ser, justamente, opositor. Sem a destreza dos polegares opositores que surgiu há milhões de anos, o que seria de nós? E da luta de dedão?

Os economistas já mostraram a importância de nos debruçarmos sobre os jogos (“dilema do prisioneiro” e outros) para modelizar a complexidade das relações humanas, dos comportamentos econômicos e das condições do surgimento da cooperação. Até prêmios Nobel foram conquistados com a chamada “Teoria dos Jogos”. Olhando para o atual contexto, a singela luta de dedão é a nossa tragicômica contribuição a esse debate cientifico em que jogos servem de expressões mínimas que ajudam a tornar evidentes dinâmicas em que estamos inseridos.

 

Em “Opositores”, porém, não se trata de olhar para o jogo em si, já que ele está paralisado: as mãos dos próprios artistas foram moldadas em um só objeto de bronze fundido. Elas estão presas num eterno aperto encenando jogadas agora imortalizadas: polegar em riste, em alerta, provocador, na defesa, no ataque ou pronto para dar o bote. O nosso olhar é levado, então, para as condições de realização do jogo: as correntes.

A corrente

A tensão não está nas mãos que foram fundidas num único conjunto, e, sim, no pulso. Depois das mãos, no lugar de braços, há cortes secos e anéis de bronze com ganchos presos. Por sua vez, esses ganchos são sustentados por longas correntes afixadas nas paredes. Nosso cérebro tem certa dificuldade em analisar o que enxerga quando é confrontado com membros do corpo humano amputados, ainda mais nesse caso onde as mãos estão grudadas entre si e a tensão das correntes não ameaça o indefectível aperto de mão, mas garante que as mãos possam flutuar firmemente na altura desejada.

São as correntes que permitem que o jogo aconteça. Correntes e redes sociais, aliás, têm marcado nosso tempo, criando e inventando argumentos e sustentando conversas infinitas, apesar de tão congeladas quanto as mãos de “Opositores” – ninguém baixando a guarda nunca. De certa forma, “Opositores” é um monumento ao “brincar” perdido, pois nos lembra do quanto perdemos o respeito ao jogo, ao adversário e à importância da contradição. Os debates que acompanhamos na TV são cada vez mais tensos e regrados: entre réplica, tréplica e informações falsas, são debates sem conversas em que falta a condição mínima do diálogo que consiste em ouvir e ser ouvido. A saudosa batalha de dedão poderia substituir esse simulacro de debate sem maior dano.

 

O espaço

Enquanto circulamos entre as correntes esticadas de “Opositores”, reparamos que há algo que compartilhamos: o próprio espaço. Mesmo neste momento tenso que vivemos, para além das divergências, existe um certo consenso: reconhecemos que estamos numa tempestade de informações falsas (mesmo que não concordemos sobre quais são as verdadeiras) e nos sentimos acuados pela violência e pela retaliação que podemos sofrer se expusermos nossas posições politicas. Nesse espaço comum e irrespirável, é importante distinguirmos o que é violência e o que é conflito. Onde há espaço para o conflito, ele poder ser resolvido, diminuindo o risco de violência.

Um fenômeno interessante das últimas eleições tem sido o “vira-voto”, menos pelo movimento um tanto autoritário de achar que alguém sabe mais do que o outro em quem votar do que pelo ímpeto de conversar, encarar o conflito e a divergência e correr o risco de se afetar. De repente, longe da violência abstrata das redes sociais, fica claro que formamos também correntes e que dependemos uns dos outros para além das trocas econômicas ou dos incômodos da convivência: o cobrador não vende apenas tickets ou a padeira, pão; e o vizinho faz mais do que lembrar da lei do PSIU...

Os outros voltam a serem cidadãos, ou seja, a serem pessoas cujas decisões nos impactam, e, por isso, cujas opiniões nos importam e com as quais devemos conversar. Circulando entra as linhas de corte, é preciso conversar para além das eleições. Para isso, é fundamental que existam espaços – de arte ou não – onde seja possível praticar o exercício diário do político: distribuindo o poder, conversando presencialmente, desfazendo as crenças que sustentam conversas pré-conversadas, ouvindo e sendo ouvido. Assim como um músculo, é preciso treinar todo dia para que isso funcione adequadamente e, no início, dói bastante. Talvez um exercício diário antes de qualquer conversa devesse ser um aquecimento de polegar seguido de uma luta de dedão, para então, de polegar em polegar, medir melhor a distância que nos aproxima do outro para encarar o singelo – porém complexo, contínuo e nunca resolvido – exercício da construção democrática.

Com esperança,

Benjamin Seroussi, diretor artístico da Casa do Povo, 1 de outubro de 2022.

/ / / / /

Game Theory

The Thumb

 

In “thumbs-up land”, thumb wrestling is no small thing: here is a game whose goal is to forcefully pin the other person’s thumb. In recent years, with the index finger entering the game, the debate has been broadened – whether horizontally, thus making the thumb perpendicularly point upwards, simulating something that looks like a gun; or vertically, sticking the thumb horizontally, and thus fingerspelling what in Brazilian Sign Language stands for the letter L. These thumb/ index configurations will soon make way for the traditional use of index and middle fingers gesturing a “V”, for “victory”.

 

So that the thumb doesn’t go back into oblivion, here we are, during this month marked by various elections (for president, governors, state representatives, congressmen and senators) to devise some ancillary considerations on Dora Smék and Paul Setúbal’s artwork Opositores (Opponents). We’re not only in between run-offs, but also in that break from the gallery’s schedule that takes place after the dismantling of an exhibition and the next one’s installation: it’s this days-long place of suspension Dora and Paul have chosen to take up, just like all positions of power must be taken up.

 

Well then, we need to talk about the thumb, or, rather, thumb wrestling – also known as thumb war. Stemming from mysterious origins (with roots in Japan), simple rules and global popularity, the sport has recently gained a federation (WTWC), a guidebook written by a former champion, and an offshoot – toe wrestling! Without mentioning the fact that thumb wrestling’s recent structuring seems to have been developing primarily in dive bars in the UK countryside, it’s worth to say toe wrestling will never destitute traditional thumb wrestling, for a simple reason: the handshake.

 

The Hand

 

There lies the beauty of thumb wrestling: it’s not played with someone whose hand couldn’t be shaken. Beyond the adiposity of the other person’s skin, in order to surrender to the game, one needs to acknowledge their adversary not as their enemy, but as their opponent. Hence, “adversary”. Since “opponents”, which names Dora and Paul’s work, does not refer so much to the contenders as it does to the thumb itself, which, as known by all those who have been educated by Jorge Furtado’s film Ilha das Flores, draws its power from the fact that it is, precisely, opposable. What would become of us without the opposable thumb dexterity that emerged millions of years ago? What about thumb wrestling?

 

Economists have highlighted the relevance of looking into games (such as the prisoner’s dilemma, among others) to model the complexity of human relations, economic behavior and conditions for the emergence of cooperation. Even Nobel Prizes have been granted to the study of the so-called “Game Theory”. Looking at the present context, humble thumb wrestling is our tragicomic contribution to this scientific debate in which games serve as minimal expressions that help clarify the dynamics in which we live.

 

However, Opositores is not about looking at the game itself, since it’s frozen: the artists’ hands have been cast as a single bronze piece. They’re locked in an everlasting handshake, staging moves that are now immortalized: upward-extended thumb, alert, provoking, defensive, attacking or ready to attack. Our gaze is then led to the conditions under which the game is played: in chains.

The Chain

Tension does not lie in the hands, which were cast as a single structure, but in the wrist. Instead of arms, the hands end in a cross-section displaying bronze rings linked to hooks. These hooks are, in their turn, hung by long chains fixed to the walls. Whenever confronted with severed limbs, our brain has a hard time analyzing what it’s seeing. Especially in the present case, in which the hands are stuck together and the tension from the chains does not seem to jeopardize the flawless handshake. Instead, it ensures the hands’ steady suspension at a certain height.

 

Chains allow the game to take place. Chains and social networks have, by the way, marked our times, creating and inventing arguments, sustaining endless conversations despite being as frozen as the hands in Opositores – with no one ever letting their guard down. In a way, Opositores is a monument to lost “playfulness”, since it reminds us of the fair play we’ve lost, as well as the respect for our adversary and the importance of contradiction. TV debates are more and more stressful and regimented: amongst counterclaims, rebuttals and fake news, they’re conversationless debates that lack minimum conditions for dialogue, i.e. listening and being heard. Nostalgic thumb wrestling could replace this debate simulacrum with no major damage.

 

Space

 

While walking amongst “Opositores’” tensioned chains, we realize there’s something we share: space. Even through the stressful times we live, there’s common ground going beyond differences: the acknowledgement of going through a storm of fake news (even if we can’t agree on which are the true ones) and the feeling of being daunted by violence and by eventual retaliations that might take place once we reveal our political views. Within this unbreathable shared space, it’s important to tell violence from conflict. Wherever there is room for conflict, it can be settled, lowering the risk of violence.

 

An interesting phenomenon from the past elections have been “vote-swaying”, not so much because of the somewhat authoritarian act of thinking someone is more knowledgeable about voting than others as for the urge to talk, face conflict and divergence, and take the risk of being affected. Suddenly, away from the abstract violence of social networks, it’s clear we also create chains, and depend on each other, going beyond economic exchange or conviviality discomfort: the bus fare collector doesn’t sell bus tickets only, just like the baker doesn’t just sell bread; and neighbors do more than just reminding us of noise regulation statutes…

 

Others are once again citizens, that is, people whose decisions impact us and, therefore, whose opinions matter to us and to whom we should talk. Circulating between section lines, the conversation needs to go beyond the elections. To that end, venues (maybe they be art-related or not) are key places – where people can practice the daily action of politics: distributing power, talking one-on-one, disrupting beliefs that maintain pre-talked conversations, listening and being heard. Like a muscle one needs to work out everyday so that it functions adequately. And, in the beginning, it really hurts. A daily practice before any conversation should perhaps be a thumb warm-up followed by thumb wrestling, so that, from thumb to thumb, we might better measure the distance that brings us closer to each other to face the simple – yet intricate, constant and unresolved – practice of democracy construction.

 

With hope, October 1st, 2022

 

*Benjamin Seroussi is artistic director at Casa do Povo

bottom of page